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Governo edita Medida Provisória com disposições trabalhistas para enfrentamento do Coronavírus

Atualizado: 3 de abr. de 2020


No final da noite de domingo, 22/03, foi publicada a Medida Provisória nº 927/2020 (MP) para o enfrentamento da pandemia do Coronavírus (Covid-19), após a decretação de estado de calamidade pública em 20/03 pelo Congresso (Decreto Legislativo nº 6) e o reconhecimento, em 03/02, da emergência de saúde pública pelo Ministro da Saúde.

Após críticas quanto ao conteúdo das disposições, o presidente Jair Bolsonaro anunciou alterações na MP recém publicada. No final da noite de ontem, 23/03, foi publicada a MP nº 928/2020 que em seu artigo 2º revogou o artigo 18 da MP nº 927/2020, excluindo a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho por 4 (quatro) meses sem recebimento de salários.

Avaliaremos em detalhes as medidas previstas na MP nº 927/2020, que “poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda” no enfrentamento da emergência de saúde pública gerada pelo Covid-19.

1. OBJETIVO

O objetivo declarado pela MP, que já havia sido antecipado pelo governo, é preservar os postos de trabalho e a renda dos trabalhadores, já que o isolamento social – medida necessária para o enfrentamento da doença e preservação dos sistemas de saúde público e privado – gera impactos, direta ou indiretamente, em todos os setores.

2. NEGOCIAÇÃO DIRETA

O artigo 2º da MP permite que, na vigência do estado de calamidade pública ocasionado pelo Coronavírus, empregados e empregadores negociem diretamente as medidas para a manutenção do vínculo empregatício, por meio de acordo individual escrito, “que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição”.

Esse dispositivo confere, portanto, liberdade para que empresa e empregado ou grupo de empregados estabeleçam diretamente medidas emergenciais necessárias para o enfrentamento da presente crise de saúde pública, além daquelas já previstas expressamente na referida MP.

Reforça tal entendimento o disposto no caput do artigo 3º da MP que, ao enumerar as medidas de enfrentamento dos efeitos econômicos do Covid-19, estabelece um rol exemplificativo. A leitura atenta do referido dispositivo não deixa dúvida:

“Art. 3º - Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas: (...)”. Destacamos

Sendo assim, a MP confere grande liberdade a patrões e empregados na fixação de regras de trabalho durante a emergência de saúde pública do Covid-19, indicando “os limites estabelecidos na Constituição” como balizadores dessas medidas individuais.

3. FORÇA MAIOR E REDUÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALÁRIOS

Inicialmente, o parágrafo único do artigo 1º, da MP declara que a emergência de saúde pública gerada pelo Covid-19 é hipótese de força maior para fins trabalhistas, fazendo remissão expressa ao artigo 501, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Com efeito, os artigos 501 a 504, da CLT, definem o conceito de força maior e regulam algumas medidas nas relações de trabalho em circunstâncias dessa natureza.

Conforme o caput do artigo 501, força maior é o acontecimento que não pode ser evitado pela vontade do empregador, “para realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.

Citamos, nesse sentido, o artigo 393 do Código Civil, que embora não diferencie as hipóteses de caso fortuito e força maior, indica, em seu parágrafo único, que a força maior se verifica “no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

A doutrina abriga certa divergência sobre o conceito de força maior, entretanto, para a presente análise nos parece suficiente o fato de não haver dúvidas que a pandemia do Covid-19 se trata de uma situação absolutamente imprevisível e sem precedentes, sendo igualmente evidente que nenhum empregador brasileiro concorreu para sua origem, tampouco será capaz de impedir os seus efeitos.

Mesmo se configurada a força maior, o §2º do citado artigo 501, da CLT faz ressalva das situações que não afetarem substancialmente, nem forem suscetíveis de afetar, a condição econômica e financeira da empresa. No artigo 504 se observa outra cautela, prevendo a reversão de medidas patronais baseadas em falsa alegação de força maior.

O artigo 503, da CLT, por sua vez, dispõe o seguinte:

“Art. 3º - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”. Destacamos

O parágrafo único do artigo supratranscrito impõe uma limitação ao período de duração da redução salarial, dispondo que “cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos”.

Ora, a emergência de saúde pública causada pelo Coronavírus, além de se tratar de clara hipótese de força maior, afeta ou afetará, substancialmente, todos os setores da economia, especialmente os negócios de menor porte do setor terciário, que empregam o maior número de pessoas no Brasil.

Não nos parece que os artigos 501 a 504, da CLT tenham sido revogados pelas disposições da Lei nº 4.923/65, embora haja respeitável posicionamento em sentido contrário, sendo inconveniente o aprofundamento dessa discussão no momento.

Cumpre-nos argumentar que, de acordo com o artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.657 de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), uma lei vigorará “até que outra a modifique ou revogue”. O §1º do mesmo artigo dispõe que a revogação ocorrerá quando: (i) for declarada expressamente; (ii) a lei posterior for incompatível; ou (iii) a lei posterior regular inteiramente a matéria da lei anterior.

Ora, a Lei nº 4.923/65 não revogou expressamente os artigos 501 a 504, da CLT, não é incompatível com estes últimos e os diplomas tratam de circunstâncias distintas.

É que, enquanto a CLT regula toda e qualquer situação que se enquadre no conceito de força maior – adotado no caput do artigo 501 – a Lei nº 4.923/65 arrola hipótese específica, quando em razão de conjuntura econômica a empresa se encontre em situação que exija a redução da jornada ou do número de dias de trabalho.

Conjuntura econômica não é sinônimo de força maior. Esta, como visto, é causada por fatores alheios à vontade e seus efeitos são imprevisíveis e/ou inevitáveis. Aquela, por sua vez, pode ocorrer por atos da própria empresa, como sua má administração.

Ademais, a redução salarial, da forma como tratada na Lei nº 4.923/65, se trata de mero efeito da redução da jornada normal ou dos dias de trabalho do empregado. Não pode ser outra a intepretação da parte final do caput do artigo 2º da citada Lei:

“(...), por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional (...)”. Destacamos

O Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020 do Congresso Nacional e o artigo 1º da Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde não deixam dúvidas que a pandemia do Covid-19 se trata, sim, de situação de força maior excepcionalíssima e sem precedentes, e como tal deverá ser tratada.

Por esse mesmo motivo, entendemos que os artigos 501 a 504 da CLT, editados em 1943, foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 (CF), porque tratam de hipóteses de força maior, que não estão previstas no artigo 7º, inciso VI, da CF.

Não se pode perder de vista que os pequenos negócios empregam a maior parte dos trabalhadores brasileiros, assumindo o protagonismo quando há aumentos no nível de emprego formal[1].

Também não há dúvidas que o isolamento social os atinge dramaticamente, porque dependem da circulação de pessoas para prosperar.

Pequenas empresas não firmam acordos coletivos de trabalho. Exigir norma coletiva equivaleria e negar vigência ao dispositivo para a maioria dos empregadores. De outro lado, demandaria dos sindicatos profissionais estrutura e capilaridade que não possuem para firmar acordos e fiscalizar o seu cumprimento.

O objetivo declarado da MP é manter os contratos de trabalho e a renda dos trabalhadores durante o enfrentamento da crise causada pelo Covid-19. A redução temporária do salário por ato do empregador, limitada a 25% (vinte e cinco por cento), poderá representar um verdadeiro sopro de vida às empresas de pequeno porte.

Vale lembrar, ainda, que o consumo das famílias é o motor da economia brasileira, respondendo por 65% (sessenta e cinco por cento) da composição do Produto Interno Bruto (PIB)[2]. Os mais pobres tendem a não formar poupança, transformado a renda em consumo imediato. Assim, a proteção dos empregos e da renda gera reflexos diretos sobre o nível de atividade econômica.

O Ministério da Economia prevê a adoção de medidas para compensar as perdas salariais temporárias com utilização de recursos do Tesouro Nacional. Ações semelhantes já têm sido adotadas por outros países no enfrentamento do Covid-19. É urgente que o governo adote medidas compensatórias em tempos de crise.

Portanto, entendemos que a excepcionalíssima emergência de saúde pública em razão do Covid-19 viabiliza a aplicação do artigo 503, da CLT. É recomendável, no atual contexto, a concessão de contrapartidas aos trabalhadores, como a redução proporcional da jornada e a garantia temporária do emprego após a crise, por interpretação analógica da Lei nº 4.923/65 e do artigo 611-A, §3º, da CLT.


4. SUSPENSÃO DO CONTRATO PARA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL

O artigo 476-A, da CLT já fazia previsão de suspensão do contrato de trabalho de 2 (dois) a 6 (seis) meses para qualificação profissional, sem remuneração. No entanto, diferentemente da redação do artigo 18, já revogado, o texto celetista exige a assinatura de convenção ou acordo coletivo de trabalho, a concordância formal do empregado e, ainda a garantia de sua função e respectivo salário após o período de suspensão, conforme disposição do artigo 471, da CLT.

Segundo declarações de membros do governo, se espera para os próximos dias o anúncio de novas medidas que poderão prever a suspensão dos contratos de trabalho, com a utilização de recursos do Estado para apoio aos trabalhadores.

5. TRABALHO REMOTO

O artigo 4º da MP permite que o empregador altere unilateralmente o regime de trabalho, dispensando qualquer formalidade, inclusive a prévia alteração do contrato de trabalho, bastando a notificação do empregado mediante comunicado escrito ou e-mail (§2º) com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas.

A responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos e infraestrutura necessários para viabilizar o home-office, bem como as regras de reembolso de eventuais despesas pelo empregado deverão ser formalizadas em contrato escrito assinado antes da alteração ou em até 30 (trinta) dias após a alteração do regime presencial para o teletrabalho (§3º, do artigo 4º, da MP).

O §4º do mesmo dispositivo, por sua vez, prevê a possibilidade de comodato (empréstimo) dos equipamentos necessários para viabilizar o home-office, assim como pagamento de serviços de infraestrutura pelo empregador, que não se caracterizará como verba salarial, não integrando ao contrato de trabalho, tampouco gerando reflexos.

Ainda, o inciso II, do §4º deste artigo dispõe que, se o empregador não for capaz de prover as ferramentas necessárias para o empregado trabalhar em casa, a jornada normal, que entendemos ser a contratual, será computada como tempo à disposição da empresa.


De acordo com o §5º do artigo 4º, da MP, a utilização de aplicativos e programas de comunicação fora do horário normal de trabalho não será computada na jornada do empregado, tampouco será considerada como sobreaviso ou regime de prontidão, salvo disposição expressa em sentido contrário.

Por fim, o artigo 5º estende aos estagiários e aprendizes a possibilidade de instituição do regime de teletrabalho.

6. CONCESSÃO DE FÉRIAS INDIVIDUAIS

Durante o estado de calamidade pública, o artigo 6º da MP dispensa o aviso prévio de 30 (trinta) dias para o empregador avisar ao empregado sobre a concessão de férias individuais, previsto no artigo 135, da CLT. Assim, o empregado poderá ser comunicado sobre as férias com antecedência de apenas 48 (quarenta e oito) horas, mediante aviso escrito ou e-mail.

Conforme o artigo 6º, §1º, incisos I e II, da MP, as férias não poderão ter duração inferior a 5 (cinco) dias corridos e, ainda, poderão ser antecipadas. Dessa maneira, o empregado que tiver regressado recentemente das férias poderá gozá-las novamente, por ato unilateral do empregador.

No seu §2º, o artigo 6º da MP estabelece que períodos futuros de férias também poderão ser objeto de antecipação, mediante acordo individual escrito entre patrão e empregado. A redação do dispositivo permite concluir que se refere a férias de períodos aquisitivos que sequer tenham iniciado.

O empregado que fizer parte de um dos grupos de risco do Coronavírus terá prioridade para o gozo de férias, individuais ou coletivas, conforme §3º desse dispositivo.

Na vigência do estado de calamidade pública, os profissionais da área da saúde, bem com aqueles que desempenham funções essenciais, poderão ter suas férias ou licenças não remuneradas suspensas pelo empregador, mediante comunicação formal por escrito ou meio eletrônico, com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, podendo este aviso prévio ser inferior, se a situação assim o exigir.

O artigo 8º da MP permite que o pagamento do 1/3 (um terço) de férias previsto no artigo 7º, inciso XVII, da CF poderá ocorrer após o período de férias, até o vencimento do 13º salário. Assim, não se aplica o prazo do artigo 145 da CLT (até dois dias antes do início do gozo) e, consequentemente, o pagamento dobrado em caso de descumprimento do prazo, previsto pela Súmula nº 450, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O parágrafo único do artigo 8º, da MP dispõe que, no caso de concessão de férias individuais no período de emergência de saúde pública, o empregado deixa de ter a prerrogativa de decidir pela conversão de 1/3 (um terço) de suas férias em dinheiro, o chamado abono pecuniário. Esta providência estará sujeita à concordância do empregador que, de qualquer forma, poderá pagar o valor até o vencimento do 13º salário.

Já o artigo 9º da MP prevê que o pagamento dos dias de férias propriamente ditos, não do 1/3 (um terço) constitucional, deverá ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do período, não sendo aplicável, portanto, o prazo de até 2 (dois) dias antes do seu gozo, conforme o artigo 145, da CLT.

Finalmente, artigo 10º prevê que na hipótese de demissão do empregado, qualquer pendência relacionada às férias deverá ser quitada juntamente com as verbas rescisórias.

Até a edição da MP, a concessão de férias no período de quarentena e isolamento social decretado pelas autoridades poderia ser reputada ilegal, por tolher a liberdade do empregado de viajar e gozar com efetividade seu período de descanso. Tal entendimento teria como implicação, além de multas e outras medidas administrativas, o pagamento em dobro das férias, que seriam consideradas suprimidas.

A MP nº 927/2020 permite, sem margem para dúvidas, a concessão ou antecipação de férias excepcionalmente, como medida de enfrentamento ao Covid-19.

7. CONCESSÃO DE FÉRIAS COLETIVAS

O artigo 11 da MP dispõe que os empregadores poderão, ainda, conceder férias coletivas, mediante comunicação com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas.

Durante o estado de calamidade pública decretado, não serão aplicáveis os limites de concessão e duração das férias coletivas previstos no §1º, do artigo 139, da CLT. Assim, podem ser concedidas férias coletivas mais de 2 (duas) vezes neste ano, cujos períodos poderão ter duração inferior a 10 (dez) dias corridos.

Também foi dispensada a necessidade do prévio aviso ao sindicato profissional e ao órgão local do Ministério da Economia, conforme dispõe o artigo 12 da MP.


8. APROVEITAMENTO E ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS

Mediante notificação por escrito ou por meio eletrônico aos empregados afetados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, o empregador poderá antecipar os feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais. A notificação deverá conter expressamente quais feriados serão aproveitados, conforme o artigo 13, da MP.

O §1º do mesmo dispositivo estabelece que o tempo equivalente aos feriados não religiosos antecipados poderá ser descontado do saldo de banco de horas, caso o empregador adote um sistema desse tipo.

Já no §2º do seu artigo 13, a MP exige a concordância expressa e por escrito dos empregados, em acordo individual, para que este aproveitamento possa se estender também aos feriados religiosos.

9. DIFERIMENTO DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO

A MP posterga a realização dos recolhimentos do FGTS referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020.

O pagamento poderá ser feito sem a incidência da atualização, multa e encargos, em até 6 (seis) parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir do mês de julho de 2020.

Qualquer empregador poderá adotar este pagamento diferido, independentemente do número de empregados, do regime de tributação, da forma societária, do ramo de atividade econômica e de adesão prévia. Basta que a empresa declare estas informações, até 20 de junho de 2020.

Caso haja a rescisão do contrato de trabalho, o diferimento do recolhimento do FGTS estará suspenso e o empregador deverá depositar os valores respectivos sem incidência de multa ou encargos, assim como pagar a multa de 40% (quarenta por cento).

A Medida Provisória prevê, ainda, a incidência de multa e encargos e o bloqueio do certificado de regularidade do FGTS em caso de descumprimento do parcelamento, além suspensão do prazo de prescrição dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data de entrada em vigor da MP.



10. BANCO DE HORAS

O artigo 14, caput¸ da MP prevê a instituição de sistema de compensação de jornada por meio de banco de horas, mediante acordo coletivo ou individual, por escrito. O prazo para acerto do saldo do banco de horas será de até 18 (dezoito) meses a contar da data de encerramento do estado de calamidade pública em razão do Covid-19.

Assim, a MP estende de 6 (seis) para 18 (dezoito) meses o período de apuração do banco de horas estabelecido mediante acordo individual. Os empregados podem ser dispensados para ficarem em suas casas no período de isolamento social, debitando a cada dia de trabalho as horas em seu saldo no banco de horas.

Encerrado o período de isolamento, o empregado poderá trabalhar até 2 (duas) horas adicionais por dia, desde que a jornada diária não ultrapasse o total de 10 (dez) horas, para compensar gradualmente o período que esteve em casa sem trabalhar, conforme dispõe o §1º do artigo 14 da MP.

Dentro do prazo estipulado pelo caput do mesmo dispositivo, o empregador poderá determinar a compensação do saldo do banco de horas a seu exclusivo critério, independentemente de acordo individual ou coletivo, ou convenção coletiva de trabalho.

11. SUSPENSÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO

Considerando a recomendação de isolamento social, os artigos 15, caput e §1º e 16, caput e §1º da MP, suspendem a exigência dos exames médicos admissionais e periódicos, bem como os treinamentos previstos nas Normas Regulamentadoras (NRs). Os exames e treinamentos poderão ser realizados no prazo de 60 (sessenta) e 90 (noventa) dias após o fim do estado de calamidade pública, respectivamente.

A realização do exame demissional segue sendo obrigatória, exceto se o exame médico ocupacional mais recente tiver sido realizado há menos de 180 (cento e oitenta) dias da dispensa (§3º, do artigo 15).

O artigo 16, §2º, da MP estabelece que os treinamentos previstos nas NRs poderão ser realizados à distância durante o período de emergência de saúde pública, cabendo ao empregador observar os conteúdos práticos e garantir, ao mesmo tempo, que as atividades sejam executadas com segurança.

Por fim, o artigo 17 permite a extensão do mandato dos membros das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) até o encerramento do estado de calamidade pública e, se houver processo eleitoral em andamento, este poderá ser suspenso.

Embora não haja previsão expressa na Medida Provisória, entendemos que todas as disposições da Norma Regulamentadora nº 5 devem ser consideradas suspensas até o encerramento do estado de emergência de saúde pública, com especial destaque à frequência de reuniões ordinárias e a presença dos seus membros, previstos, respectivamente, nos itens 5.23 e 5.30, da NR-5.

Logo, entendemos que a não realização de reuniões ordinárias da CIPA na vigência do estado de calamidade pública, assim como a ausência de qualquer integrante que tenha sido alcançado pelas medidas de contingenciamento previstas na MP, deverão ser relevadas pelo empregador e pela fiscalização do trabalho.

Vale mencionar que, por força do §3º do artigo 3º da Lei nº 13.979/2020, eventuais ausências às reuniões da CIPA de membros que estejam nos grupos de risco do Coronavírus deverão ser consideradas como justificadas.

Evidentemente, na eventual existência de prazo para protocolo das atas de reuniões ordinárias da CIPA junto ao sindicato representativo da categorial profissional – cláusula muito comum em normas coletivas de trabalho – este deverá ser postergado para depois do encerramento do estado de calamidade pública.

12. EMPREGADOS NO SETOR DA SAÚDE

Durante a emergência do Covid-19, os estabelecimentos de saúde poderão prorrogar a jornada de trabalho e adotar escalas de horas suplementares, mediante acordo individual escrito, até mesmo para os trabalhadores que exercem atividades insalubres e se ativam no regime de jornada de trabalho 12 x 36, desde que garantido o descanso semanal remunerado.

Pelo artigo 27 da MP, as horas suplementares trabalhadas pelos profissionais da saúde no período de calamidade pública poderão ser compensadas em sistema de banco de horas, no prazo de 18 (dezoito) meses a partir do fim do estado de emergência, ou pagas, como horas extraordinárias


13. NEXO DE CAUSALIDADE DO COVID-19

Os eventuais casos de contaminação pelo Coronavírus não serão considerados como doenças ocupacionais, exceto se houver comprovação do nexo causal.

O artigo 29 da MP aplica, portanto, o princípio da responsabilidade subjetiva do empregador, atribuindo ao trabalhador o ônus da prova a ligação entre a contaminação e as atividades laborais (nexo causal). Por esse motivo, do ponto de vista dos empregadores é importante a adoção de medidas de prevenção no ambiente de trabalho, que poderão afastar sua responsabilização e indenizações por danos materiais e morais.

Nesse sentido, destacamos a Nota Técnica Conjunta 02/2020 de 13 de março de 2020, do Ministério Público do Trabalho. Embora não tenha abordado especificamente a questão do nexo causal e da responsabilidade civil por eventual contágio do empregado pelo Covid-19, o documento traz recomendações importantes aos empregadores:

  1. Fornecer lavatórios com água e sabão;

  2. Fornecer sanitizantes (álcool 70% ou outros adequados à atividade);

  3. Não permitir a circulação de crianças e demais familiares dos trabalhadores nos ambientes de trabalho que possam representar risco à sua saúde por exposição ao novo coronavírus; e

  4. Advertir os gestores dos contratos de prestação de serviços, quando houver serviços terceirizados, quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para conscientizar e prevenir seus trabalhadores acerca dos riscos do contágio do novo coronavírus (SARS-COV-2) e da obrigação de notificação da empresa contratante quando do diagnóstico de trabalhador com a doença (COVID-19).

Essas e outras medidas diminuem o risco de contágio do empregado que não puder interromper suas atividades, tampouco exercer suas funções em casa no período de calamidade pública. Como dito, a comprovação da adoção de ações cautelares pelo empregador pode afastar a responsabilização por eventos danosos.

14. PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

O artigo 28 dispõe que, pelo período de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da MP, serão suspensos os prazos para defesa e recurso em processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS.

15. PRORROGAÇÃO DE ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS

No artigo 30, a referida Medida Provisória estabelece a possibilidade de o empregador prorrogar, pelo prazo de 90 (noventa) dias, a seu exclusivo critério, os acordos e as convenções coletivas vencidas ou vincendas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de entrada em vigor da MP.

Salvo melhor juízo, a providência nos parece destinada a evitar que as empresas se lancem na negociação de normas coletivas durante o estado de calamidade pública.

Não sendo aplicável o princípio da ultratividade desde a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), caso o empregador não renove por conta própria um acordo coletivo de trabalho já vencido, suas cláusulas deixam de surtir efeitos nos contratos de trabalho com o término da vigência do instrumento.

16. ATUAÇÃO DOS AUDITORES FISCAIS DO TRABALHO

A Medida Provisória, em seu artigo 31, disciplina a atuação dos auditores fiscais do trabalho, por 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de sua entrada em vigor.

Os fiscais deverão atuar de maneira orientadora, exceto forem constatadas: irregularidades relacionadas a falta de registro de empregado; situações de risco grave e iminente; acidentes fatais; e o trabalho infantil ou em condições análogas às de escravo.

A limitação da atividade fiscalizadora das relações de trabalho não tem, a nosso ver, uma relação direta com a emergência relacionada ao Coronavírus, tampouco se trata de uma providência que atenda ao objetivo declarado da MP, que é de manter os contratos de trabalho e a renda dos empregados durante a crise de saúde pública. Em casos excepcionais, aliás, entendemos ser importante a atenção redobrada das autoridades, evitando e coibindo abusos e medidas oportunistas que prejudicam da toda a coletividade.

17. DEMAIS ESPÉCIES DE TRABALHADORES

O artigo 32 da MP estende seus efeitos aos trabalhadores temporários e terceirizados regidos pela Lei nº 6.019/74, aos trabalhadores rurais, cujo regulamento se encontra na Lei nº 5.889/73 e, ainda, aos trabalhadores domésticos, no que couber, especialmente as normas relacionadas a jornada de trabalho, banco de horas e férias.


18. LIMITES, EFEITOS, VIGÊNCIA E ACOLHIMENTO DE MEDIDAS SEMELHANTES

Afasta-se, expressamente, a aplicação das regulamentações sobre trabalho em teleatendimento e telemarketing aos empregados que estiverem em regime de teletrabalho durante o estado de calamidade pública.

Por sua vez, o artigo 36 da MP determina o acolhimento de medidas que já tenham sido adotadas pelos empregadores nos 30 (trinta) dias anteriores a 22/03, desde que não sejam contrárias às suas disposições.

A MP entra em vigor a partir da data de sua publicação e terá aplicação enquanto perdurar o estado de calamidade pública, conforme o parágrafo único, do artigo 1º.

A duração da MP, porém, depende de sua conversão em lei pelo Congresso Nacional, que terá até 120 (cento e vinte) dias para fazê-lo, após os quais suas disposições deixam de surtir efeitos independentemente da vigência do estado de calamidade pública, que produzirá efeitos até o dia 31 de dezembro de 2020, conforme disposição do Congresso Nacional no Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março.

19. COMENTÁRIOS FINAIS

Ao contrário de muitas antecessoras, a Medida Provisória nº 927/2020 atende verdadeiramente aos requisitos de urgência e relevância que autorizam sua edição por parte do Poder Executivo.

Suas disposições permitem a regulamentação excepcional das relações de trabalho sem a necessidade de formalidades, tais como protocolos, comunicações e até mesmo a participação das entidades de classe, com intuito de possibilitar ações rápidas num contexto de natural incerteza.

Embora não disponha expressamente sobre o tema, a redução parcial dos salários se trata de uma medida de flexibilização importante para o momento, devendo, se possível, ser acompanhada de contrapartidas aos empregados afetados, como a redução proporcional da jornada de trabalho e a garantia provisória de emprego, sem prejuízo de auxílio financeiro governamental aos trabalhadores formais e informais, medida urgente e fundamental para manutenção do seu nível de renda e, consequentemente, da atividade econômica.

A permissão para concessão e antecipação de férias individuais e coletivas promove maior segurança jurídica e, podendo ser adotada com maior rapidez, leva ao cumprimento do isolamento social recomendado pelas autoridades de saúde, protegendo os negócios combalidos, especialmente os pequenos, da crise mundial que nos atinge.


Willians Simon Pires

Especialista em Direito do Trabalho

Especializando em Economia do Trabalho e Sindicalismo

Sócio da área Trabalhista e de Relações Sindicais de ZMBS Advogados


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