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O Seguro Garantia e o recente precedente do CNJ


No último dia 27 de março, em meio a intensificação das medidas restritivas de circulação de pessoas e da economia decorrente do avanço da pandemia do Coronavírus (Covid-19) no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu um importante precedente para empresas de todos os setores, confirmando a possibilidade de substituição do depósito recursal já efetuado em dinheiro por seguro garantia judicial ou fiança bancária.


Tal decisão foi proferida nos autos de Procedimento de Controle Administrativo nº 0009820-09.2019.2.00.0000, ajuizado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – Sinditelebrasil. O Conselheiro Mário Guerreiro, que abriu divergência, teve seu voto declarado vencedor para declarar nulos os Artigos 7º e 8º do Ato Conjunto nº 1/2019 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (CGJT).


O contexto do Covid-19 parece ter esmaecido, infelizmente, a merecida divulgação desta relevante decisão. A gravidade da pandemia, ainda vivenciada na data em que se escrevem estas linhas, não poderia mesmo ser mitigada por qualquer outra razão. De qualquer forma, a análise mais detalhada dos fundamentos da decisão proferida pelo CNJ e sua repercussão na esfera jurídico-trabalhista é o que se propõe no presente artigo.

DEFINIÇÃO

O seguro garantia é uma das modalidades de contrato de seguros que tem como finalidade garantir o fiel cumprimento de determinadas obrigações assumidas em ações e/ou contratos.


O tomador é o contratante do seguro, potencial devedor da obrigação que se pretende garantir. O segurado, por sua vez, é o credor da obrigação garantida, o destinatário da indenização.


A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) regula e fiscaliza qualquer modalidade de seguro oferecido no mercado. No caso do seguro garantia, a regulamentação se encontra na Circular nº 477/2013 da SUSEP, sem prejuízo de outras leis ou regulamentos sobre o tema.


O seguro garantia pode ser dividido em Setor Público e Setor Privado, conforme os seus artigos 4º e 5º Circular nº 477/2013. No Setor Público, pode ser aplicado nas obrigações assumidas pelo tomador em processos administrativos; judiciais, inclusive execuções fiscais; parcelamentos administrativos de créditos fiscais, inscritos ou não em dívida ativa; e/ou regulamentos administrativos. Já no Setor Privado, sua aplicação se verifica nos contratos em geral.


Constata-se a relevância do seguro garantia pelo fato de ser previsto em diversas leis. No âmbito licitatório, por exemplo, a apresentação de garantias é importante na medida em que protege o adimplemento contratual pelos vencedores dos certames e, consequentemente, o erário. Nesse sentido é o artigo 6º, inciso VI, da Lei de Licitações (nº 8.666/93).


Já a Lei n.º 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais), por meio dos artigos 7º, inciso II, 9º, inciso II, §2º e §3º, 15, inciso I e 16, inciso II, faz previsão do seguro garantia. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) regulamentou sua utilização por meio da Portaria nº 164/2014.


Na esfera das relações privadas, a relevância do seguro garantia não é menor, pois viabiliza relações jurídicas que, de outro modo, não se concretizariam. Seu uso é comum em contratos de locação e de fornecimento em que as prestações são continuadas e o pagamento, diferido no tempo.


O seguro garantia e a fiança bancária representam, ainda, meios mais baratos ao devedor para garantir o eventual pagamento do débito judicial enquanto discute o seu mérito, ou o fato gerador do crédito executado. Sua utilização é historicamente aceita perante o Poder Judiciário.

BREVE HISTÓRICO DO SEGURO GARANTIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

No âmbito do processo do trabalho, a substituição do dinheiro por meios alternativos de garantia do valor executado é prevista desde a redação original da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nos artigos 880 e 882, a CLT utilizava as expressões “para que pague em 48 (quarenta e oito) horas, ou garanta a execução, sob pena de penhora” e “poderá garantir a execução nomeando bens à penhora, ou depositando a mesma importância”, respectivamente.


Logo, no processo trabalhista sempre foi possível propor a substituição do depósito em pecúnia para garantir o cumprimento da obrigação imposta em juízo. Historicamente, a alternativa ao dinheiro era a nomeação de bens – móveis ou imóveis – à penhora ou, ainda, a sub-rogação do autor-credor em direitos do réu-devedor.


Ocorre que, ao nomear bens à penhora, tem início uma série de atos processuais necessários para sua localização e avaliação para posterior praceamento, nem sempre exitoso. Sem mencionar que o valor amealhado na hasta pública pode ser menor que o da avaliação, gerando prejuízos diretos tanto ao réu como ao credor.


É importante destacar, ainda, a fundamental e necessária garantia da ampla defesa e do contraditório ao réu, insculpida no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal (CF), cujo exercício legítimo pode prolongar discussões sobre a licitude do leilão, o valor da avaliação, a adoção do meio menos gravoso ao executado, etc.


Diante da maior liquidez do dinheiro, o artigo 655 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) já estabelecia uma ordem de preferência entre os bens que poderiam ser apresentados à penhora. O primeiro lugar, presumivelmente, era ocupado pelo próprio dinheiro, seguido de títulos da dívida pública, ações, bens móveis, imóveis e assim sucessivamente.


A Justiça do Trabalho aplicava o entendimento deste artigo, na medida em que o direito processual comum é fonte subsidiária do processo trabalhista, conforme artigo 769, da CLT.


Em setembro de 2000, a Seção Brasileira de Dissídios Individuais 2 do TST editou a Orientação Jurisprudencial nº 59, equiparando a carta de fiança bancária ao dinheiro na ordem de preferência do artigo 655 do CPC/1973.


Em meio as ondas reformistas para buscar mais simplicidade e celeridade no rito processual (adoção do chamado modelo sincrético) e maior eficácia nas execuções, a Lei nº 11.382/2006 incluiu o §2º ao artigo 656 do CPC/1973 para equiparar o seguro garantia judicial ou a fiança bancária ao dinheiro na ordem de preferência mencionada anteriormente, desde que as garantias sejam contratadas pelo valor total da execução acrescido de 30% (trinta por cento), requisito que também passou a ser exigido no âmbito do processo trabalhista.


Com o novo CPC em 2015, a ordem de preferência nas execuções passou a ser prevista no artigo 835 daquele diploma, que manteve tanto a possibilidade de substituição do depósito por seguro garantia ou carta de fiança, quanto a exigência de majoração em 30%, trazida no seu §2º.


Em junho de 2016, o TST alterou a OJ nº 59 para adaptá-la ao texto do novo CPC, prevendo expressamente a necessidade de acrescentar 30% ao valor do seguro garantia.


Ao ser promulgada, a Lei nº 13.467/2017 conhecida como Reforma Trabalhista, consagrou o entendimento jurisprudencial que vinha sendo adotado, dando nova redação ao artigo 882 da CLT para incluir expressamente a possibilidade de substituição do depósito em dinheiro ou da nomeação de bens à penhora pela apólice de seguro garantia.


Porém, a grande novidade introduzida pela Reforma Trabalhista veio com a inserção do §11 ao artigo 899, da CLT: “O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial”.


Assim, a partir de novembro de 2017, a substituição de um depósito em pecúnia por seguro garantia ou carta de fiança bancária não mais se limitou à fase de execução, passando a ser admitida na fase de conhecimento, também para substituição do depósito recursal, o qual é requisito de admissibilidade dos recursos trabalhistas.

O ATO CONJUNTO TST/CSJT/CGJT Nº 01/2019

Pouco menos de dois anos depois da Reforma Trabalhista, os órgãos superiores da Justiça do Trabalho (TST, CSJT e CGJT) editaram o Ato Conjunto nº 1 de 16 de outubro de 2019, com o propósito de regulamentar a aceitação do seguro garantia judicial e da carta de fiança bancária em substituição ao depósito recursal e à garantia da execução trabalhista.


Todas as exigências e regulamentos do Ato foram introduzidas, segundo os órgãos que o editaram, para “emprestar maior efetividade às decisões judiciais e às execuções dessas decisões”.


A citada norma estabeleceu, em seu artigo 3º, as condições de admissibilidade do seguro garantia judicial e da fiança bancária, sendo as principais:


  • Emissão por seguradora idônea e autorizada a funcionar no Brasil;

  • Valor equivalente ao bruto da condenação, inclusive honorários periciais, advocatícios e demais despesas processuais, acrescido de 30%;

  • Observância do acréscimo de 30% na substituição do depósito recursal, observados os tetos estabelecidos anualmente pelo TST (Lei nº 8.177 de 1 de março de 1991 e Instrução Normativa nº 3, do TST);

  • Previsão do índice de atualização monetária do valor segurado;

  • Referência ao número do processo;

  • Manutenção da vigência mesmo em caso de inadimplemento do segurado;

  • Vigência de, no mínimo, 3 anos; e

  • Cláusula de renovação automática.


A norma previu, ainda, a documentação que deve acompanhar o pedido de substituição, qual seja: (i) comprovação do registro da apólice na SUSEP; e (ii) certidão de regularidade da seguradora perante o mesmo órgão. Além disso, fixou que o prazo para apresentação do seguro garantia será o mesmo do ato processual que a apólice visa garantir.


Presumivelmente, o artigo 6º, inciso II, determina que o não preenchimento dos requisitos acarreta o não conhecimento dos embargos do devedor e consequente penhora livre de bens, se na execução, ou na deserção do recurso, se apresentado para substituir o depósito recursal.


Os artigos 7º e 8º do Ato impunham a rejeição do pedido para substituição se a apólice, respectivamente: (i) fosse apresentada na execução depois da efetivação do depósito ou da constrição em dinheiro por meio de penhora, arresto ou outra medida judicial; ou (ii) ocorresse depois da realização do depósito recursal em dinheiro, no caso da interposição de recursos.


No entanto, ao interpretar os artigos 882 e 899, §11, da CLT, a norma estabelecia regra oposta à lei, o que foi objeto de impugnação, da qual trataremos a seguir:

A RECENTE DECISÃO DO CNJ E SUA IMPORTÂNCIA EM CONTEXTOS DE CRISE

Não obstante as nobres razões declaradas pelos órgãos superiores da Justiça do Trabalho no Ato Conjunto nº 1 TST/CSJT/CGJT de 16 de outubro de 2019, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – Sinditelebrasil instaurou Procedimento de Controle Administrativo (PCA) nº 0009820-09.2019.2.00.0000 perante o CNJ, pugnando pela anulação dos artigos 7º e 8º do referido Ato.


Na ocasião da apreciação do pedido liminar, o Conselheiro Mário Augusto Figueiredo de Lacerda Guerreiro, que substituía a Relatora designada, Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel, concedeu a liminar requerida para permitir a substituição de depósitos recursais e garantias já apresentadas pelo seguro garantia judicial até o julgamento definitivo do PCA.


Em síntese, a petição inicial argumentava que os artigos 7º e 8º do Ato afrontavam o princípio da legalidade estrita, além da independência funcional da magistratura.


O sindicato destacava que, ao vedar a substituição de garantias e depósitos recursais em dinheiro pelo seguro garantia judicial e a fiança bancária, o Ato estabeleceu regra em sentido diametralmente oposto ao do §11 do artigo 899, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017.


O Autor do PCA alegava, ainda, que o Ato afrontava o artigo 40 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) ao impor a rejeição do pedido de substituição, o que vinculava a decisão meritória do magistrado independentemente das particularidades do caso concreto e da sua convicção pessoal.


No julgamento de mérito, a Relatora Tânia Reckziegel propôs a revogação da liminar concedida e a total rejeição do pedido, para manter a validade dos artigos 7º e 8º.


Segundo a relatora, não havia razoabilidade na análise da regularidade do depósito recursal após a interposição ou julgamento do respectivo recurso, propondo a aplicação literal do artigo 1.007, do CPC. Acrescentava que “uma vez optado pela garantia em dinheiro, a alteração do meio garantidor não é mais admitida à luz do princípio da efetividade da jurisdição”.


Aliás, o voto da relatora reiterava o princípio da efetividade em vários momentos, sempre demonstrando explícita preferência pelo dinheiro que, no seu entendimento, ostentaria maior liquidez para satisfação do crédito trabalhista, em qualquer circunstância.


Cremos que a proposta de voto, data venia, ignorava as principais características do seguro garantia judicial e da fiança bancária, especialmente quanto à declaração do sinistro e ao tipo de obrigação contratada na apólice entre o tomador e a seguradora.

Em primeiro lugar, o próprio artigo 10 do Ato impugnado já prevê as hipóteses de caracterização do sinistro, que gera o acionamento da apólice e o consequente pagamento.


Em seu inciso I, tratando da execução do título judicial, o sinistro será determinado se houver inadimplemento do devedor ou em caso de não renovação da apólice nos 60 (sessenta) dias anteriores ao fim de sua vigência, por simples despacho do juiz.

Se apresentado para substituição do depósito recursal, determina o inciso II que o sinistro será declarado após o trânsito em julgado da decisão, o julgamento do recurso garantido ou, ainda, em caso de não renovação da apólice a tempo e modo, também por determinação do juiz.


Ademais, o artigo 3º, inciso IV, do qual já tratamos, exige que a apólice contenha cláusula na qual a seguradora se obrigue a não se eximir do pagamento da indenização mesmo se a tomadora estiver inadimplente em relação ao prêmio do seguro. A disposição, aliás, está em conformidade com o artigo 11, §1º da já mencionada Circular nº 477 da SUSEP.


Vale mencionar que o mesmo dispositivo do Ato exige a renúncia expressa ao direito previsto no artigo 763 do Código Civil, que confere à seguradora a possibilidade de se recusar a quitar a indenização em caso de mora do segurado no pagamento do prêmio.

No caso do depósito recursal, a relatora afastava a equiparação do seguro garantia ao dinheiro prevista no artigo 835, §2º, do CPC/2015 por entender que “se trata de momento processual distinto, sendo o dispositivo processual comum referente à fase em que já iniciada a execução, ou seja, em etapa já avançada em relação à recursal”.


Ora, se é lícita a equiparação na fase de execução – quando a satisfação da obrigação é iminente – mais ainda o é na fase recursal, momento em que o crédito sequer está estabilizado.


O voto da Relatora não atentava, ainda, para o princípio previsto no artigo 805 e parágrafo único, do CPC/2015, qual seja, de adoção nas execuções do meio menos gravoso ao executado.


Nas palavras do Conselheiro Mário Guerreiro, cujo voto divergente foi acompanhado pela maioria do colegiado, o Ato impugnado “afronta o princípio da legalidade (...) e a independência funcional da magistratura (...) bem como traz consequências econômicas negativas de grande repercussão para as empresas”.


Segundo ele, além dos fundamentos jurídicos, é necessário considerar a relevância da questão econômica. O uso das apólices de seguro tem o potencial de movimentar bilhões de reais “parados” nas contas do Judiciário, que podem promover investimentos e geração de empregos.


Adicionamos a este argumento mais um: o depósito judicial é remunerado pelo índice da poupança, enquanto qualquer fundo de perfil conservador gera retornos melhores, estando clara, também sob esse prisma, a promoção da execução com a menor onerosidade para o executado.


Como visto, o próprio Ato Conjunto nº 1 TST/CSJT/CGJT de 16 de outubro de 2019 promoveu a efetiva equiparação do seguro garantia e da fiança bancária ao dinheiro, ao eliminar entraves para sua conversão em pecúnia e estabelecer as regras mínimas das apólices.


Por qualquer ângulo que se analise, não havia razão para manter a proibição da substituição dos depósitos e garantias em dinheiro já realizados por seguro garantia ou fiança bancária.


A confirmação da possibilidade de liberação de valores depositados em juízo pelo CNJ é uma excelente notícia para as empresas, seja para manutenção de suas atividades, seja para evitar demissões nos tempos de crise, o que teria efeitos benéficos sobre toda a economia.


Willians Simon Pires

Sócio da área Trabalhista e de Relações Sindicais


Confira a íntegra da decisão do CNJ:


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