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Sucessão trabalhista nas reorganizações societárias

  • Foto do escritor: ZMBS Advogados
    ZMBS Advogados
  • 30 de out. de 2020
  • 6 min de leitura

As reorganizações societárias são alterações nas estruturas das empresas planejadas pelos seus sócios ou acionistas que podem visar, por exemplo, o crescimento, a modernização, a adaptação à novos contextos, promoção da inovação, ou desenvolvimento de um novo produto ou negócio. Neste trabalho pretendemos analisar a transferência de empregados no contexto destas reorganizações societárias.


O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) (“CC”) e a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976) (“Lei das S.A.”) regulamentam algumas modalidades de operação societárias, dentre as quais destacamos a incorporação, fusão e cisão, que entre diversos outros efeitos jurídicos, podem implicar em sucessão trabalhista, que será abordada neste trabalho.


De forma sintética, pode-se conceituar que incorporação é a operação na qual uma ou mais empresas são englobadas/absorvidas por uma empresa já existente, que pode inclusive ter sido criada para este fim. Esta empresa, dita incorporadora, assumirá todos os direitos e obrigações da(s) sociedade(s) incorporada(s). Nesta hipótese, somente a incorporadora continuará existindo e administrará todos os ativos e passivos da(s) incorporada(s).


Já a fusão é uma operação societária por meio da qual uma ou mais sociedades se unem para fundar uma nova empresa, que lhes sucederá nos diretos e obrigações. Assim, a nova sociedade assume os passivos e ativos das empresas fundidas, que deixam de existir.


Por fim, a cisão é a operação societária pela qual uma empresa transfere parte de seus ativos para uma ou mais sociedades, já constituídas ou não. A cisão poderá ser total, hipótese em que a empresa cindida é extinta e as empresas que absorvem uma parcela do patrimônio a sucedem em seus direitos obrigações da sociedade cindida. A cisão também poderá ser parcial, mantendo a sociedade cindida em funcionamento com os ativos remanescentes. Nessa hipótese, a sociedade que absorve uma parcela da sociedade cindida sucede nos seus direitos e obrigações relativos à parte que for absorvida.


Outra forma comum de reorganização societária se dá entre os grupos de sociedades. Pelos motivos mais diversos é praxe observarmos a realização de empréstimos de valores, transferência de ativos e, também, de empregados entre empresas coligadas.


No âmbito do Direito do Trabalho, os grupos de sociedades e empresas coligadas recebe a definição de Grupo Econômico, conforme artigo 2º, §2º, da CLT [1]. Não basta a mera identidade de sócios [2]. A responsabilidade do grupo econômico pelas obrigações trabalhistas é solidária.


Por outro lado, a prestação de serviços de um determinado empregado a várias empresas coligadas na mesma jornada não implica a existência de vários contratos de trabalho, salvo disposição expressa em sentido contrário. Trata-se da figura do empregador único, consolidada pela jurisprudência trabalhista na Súmula nº 129, do TST.


Portanto, verifica-se que cada uma das modalidades tem suas peculiaridades e procedimentos próprios para sua realização que, porém, não serão o foco da análise deste artigo. Nas linhas a seguir, analisaremos como se efetiva a transferência dos empregados entre empresas e o instituto da sucessão trabalhista decorrente dessas operações societárias.


Independentemente do tipo de reorganização societária, conforme os artigos 10, 448 e 448-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943) (“CLT”), 1.146 e 1.148, do CC e de forma subsidiária, nos artigos 227, 228, 229, § 1º, 233, caput e parágrafo único da Lei das S.A., a empresa receptora desses empregados será a responsável pelo cumprimento de todas obrigações e pela observância dos direitos dos empregados transferidos, passados e futuros.


Como dispõe o caput do artigo 448, da CLT: “a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”.


Na mesma linha, estabelece o artigo 1.146 do CC que “o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.” Considera-se estabelecimento, nos termos dos artigos 1.142 e 1.143 do CC, todo o complexo de bens, direitos e negócios jurídicos organizados, para exercício da empresa.


Nesse sentido, salvo exceções pontuais [3], a legislação permite que o empregador transfira o empregado independentemente de sua anuência. Não é por outro motivo que a CLT, ao conceituar a figura do empregador no seu artigo 2º, usa um termo aberto, qual seja, “empresa”, indicando que será considerado como empregador a pessoa ou o complexo de bens que caracteriza uma unidade produtiva, independentemente da titularidade, forma societária ou número do CNPJ, se houver.


Ainda, a sucessora deve assumir todas as verbas trabalhistas do empregado transferido, registrando e arquivando o histórico do trabalhador junto ao antigo empregador (empresa sucedida), além de cumprir as obrigações acessórias (eSocial, CAGED, RAIS, FGTS etc.).


A Ministra Rosa Maria Weber, quando atuava do Tribunal Superior do Trabalho, definiu que a sucessão trabalhista: “(...) é o fenômeno pelo qual é responsabilizado um empresário por assumir a atividade empresarial antes desenvolvida por uma outra pessoa, física ou jurídica. Pauta-se, principalmente, na idéia de impessoalidade do empregador. Se, por um lado, o empregado vincula-se em caráter personalíssimo à prestação dos serviços, a concepção de empregador vincula-se unicamente ao conceito de empresa, ou seja, atividade representada pela universalidade de bens e atividades, materiais e incorpóreos, que alcançam relevância econômica. 2. A proteção do contrato de trabalho contra as intempéries decorrentes da alteração do titular da empresa alcança não só os direitos ao tempo do negócio jurídico como também os já adquiridos preteritamente, independentemente de seu prévio reconhecimento, extra ou judicialmente. Dessa forma, os créditos decorrentes de ilícitos cometidos pelo transmitente deverão ser satisfeitos por quem se sub-rogou na operação da empresa, entidade impessoal a que está, efetivamente, vinculado o trabalhador (inteligência da Orientação Jurisprudencial nº 261 da C. SBDI-1)(...)”. [4]


Para efeitos de reconhecimento da sucessão trabalhista é necessário que o estabelecimento (aqui entendido como “empresa” em sentido amplo) seja transferido para outro titular, como nas operações societárias analisadas anteriormente, e os serviços prestados pelos trabalhadores não sofram solução de continuidade. [5]


Há, contudo, controvérsias relacionadas a reorganização societária e sucessão trabalhista, como na hipótese de a empresa sucessora deixar de cumprir os direitos trabalhistas dos empregados eventualmente transferidos em decorrência da reorganização societária.


O art. 10 da CLT prevê que qualquer tipo de alteração na estrutura jurídica da empregadora não afetará os direitos adquiridos dos empregados. Ou seja, na hipótese da empresa sucessora estar impossibilitada de arcar com suas obrigações trabalhistas, os sócios retirantes poderão ser subsidiariamente responsabilizados pelo prazo de até dois anos contados do registro da alteração societária da sociedade nos órgãos competentes, observada uma ordem de preferência, conforme artigo 10-A da CLT [6].


Além da previsão da responsabilidade subsidiária estar prevista na CLT, o CC também dispõe, nos seus artigos 1.003 e 1.032, que o sócio retirante será responsável solidário por todas as obrigações sociais contraídas até dois anos contados do registro da alteração da sociedade na junta comercial e demais órgãos competentes.


No entanto, a responsabilidade da sociedade sucedida e do(s) sócio(s) retirante(s) para fins trabalhistas será solidária se for constatado que a operação societária realizada foi uma fraude para ocultar bens, fraudar execuções ou para qualquer outro objetivo ilícito, conforme o disposto nos artigos 9º, 10-A, parágrafo único e 448-A, parágrafo único, todos da CLT.


Assim, as empresas que estão envolvidas ou pretendem se envolver em operações societárias de qualquer natureza devem planejar cuidadosamente suas ações, de modo que a reorganização societária oriunda da transferência de seus negócios e/ou empregados a terceiros se efetive com a menor exposição jurídico-financeira possível.

 

Ana Carolina Ueda Silva Gabriel

Especialista em Direito dos Contratos

Advogada das áreas de Contratos e Societário de ZMBS Advogados

[1] §2o Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. [2] § 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. [3] Quando a alteração societária implica na alteração da localidade da prestação de serviços é vedado o empregador transferir o empregado sem sua anuência, salvo se ocorrer a extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado, nos termos do artigo 469, caput e o §2º da CLT; [4] TST - E-ED-RR: 2071 2071/2001-004-02-00.0, Relator: Rosa Maria Weber, Data de Julgamento: 05/11/2009, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 13/11/2009 [5] TST, RR 268.333/96.3, Francisco Fausto Paula de Medeiros, Ac. 3ª T./99 [6] Ordem de preferência do art. 10-A da CLT: (i) a empresa devedora; (ii) os sócios atuais; e (iii) os sócios retirantes.

 
 
 

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